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De há dois anos para cá, ando a atestar a descoberta que efectuei, também há dois anos, de que a disposição não anda de mãos dadas com a motivação. Isto pode parecer uma coisa óbvia, de caras, mas não é. Não andava eu dois anos a explorar esta premissa se ela não fosse, com efeito, pá, pouco óbvia. Agora olha-se para esta observação e comenta-se “claro que sim, claro que sim”, mas, se não fosse eu, nunca ninguém tinha pensado nisto antes. Uma pessoa com disposição pode não ter motivação; uma pessoa altamente motivada pode não ter disposição. Atentem nisto, que foi a coisa mais clarividente que descobri nos últimos tempos. De nada, de nada.
Ora, fazer uma tese é uma pêra doce absoluta, e não estou a ironizar. Todas as fases – desde o dia em que se começa por desperdiçar dinheiro com a aquisição do livro “Como se faz uma tese” do Umberto Eco, até à recolha do objecto de estudo, passando pela respectiva análise e fazendo uma perninha na organização do floreado que se vai pôr à volta daquilo (as introduções, os enquadramentos teóricos, a explicação da metodologia utilizada, as conclusões e os agradecimentos) – são simples de se imaginarem e simples de se conceberem. É preciso é tempo (pá, tempo, sobretudo) e disposição para a coisa. Não é preciso motivação. Juro. A motivação ficou lá atrás, quando se entrou na faculdade, talvez. Minto, a motivação ficou nas férias de Verão de 1993, passadas na casa da avó. Bom, depois – com o tal tempo e a tal disposição – a pessoa vai andando, arrastada, de olhos fechados, absolutamente tapada, e quando dá por ela está a recusar uma ida a Madrid para ver os Interpol porque tem de fazer pelo menos o índice da coisa para poder dormir de noite, já que tem de entregar a coisa um ano depois, porque afinal, e tal, os adiamentos não sei quê. A coisa feita, por exemplo, é que está quieto.
Bom, bom, bom, bom. Há coisas que têm, infelizmente, de ser desabafadas e a verdade é que eu cheguei à fase da escolha das fontes. Seja cega. Isto é uma coisa natural: a pessoa acorda todos os dias com disposições diferentes e a mim calhou-me, anteontem, a da escolha das fontes. Atentar em que as fases não têm uma ordem natural ou lógica. Ou seja, estar na fase das fontes não significa, por exemplo, que se tenha escrito já o que quer que seja. Bom, mas andei por aí a experimentar e, cá está o objectivo desta gigajoga toda, descobri mais uma coisa bastante interessante que não resisto a partilhar: o tipo de letra mais isento, mais neutro, clarinho, bonito e que mais equilibra a honestidade com a pedantice própria da pessoa que escreve teses é o Arial, tamanho 10. E esta merda, sim, é que dava uma tese. Viva o Ricardo Carvalho.