Domingo, 11 de Dezembro de 2005

Injun Joe

.
«O entendimento é uma lanterna que necessita ir dirigida por uma mão, e a mão necessita ir mobilizada por um afã preexistente para este ou outro tipo de possíveis coisas. Em suma, só se encontra o que se procura.»
Ortega y Gasset, algures por aí

O pato é um animal pelo qual nutro um carinho muito especial. Começa pela cor: uma espécie de carmim-escuro, uma cor viva, imponente, que se destaca de todas as outras. Depois, tem aquela camadinha de gordura a rematá-lo, cujos charme e fofidez não podem ser negados. Se apresentado à minha pessoa lambuzado com mel, o carinho pelo animal transforma-se em amor puro e duro. Pode acompanhar com variadíssimos adornos, mas, para mim, sozinhinho é que faz sentido. Sozinhinho. Vá, uma verdurinha e uma conversinha ao lado, para não obcecar. Mas a vida às vezes é padrasta, já se sabe.

Poderia eu alguma vez imaginar o que me havia de acontecer há dias ao jantar? Zero. Mas a verdade é que, há dias ao jantar, puseram à frente das minhas extremamente aguadas papilas gustativas o estimado animal, e até aqui tudo muito bem. Agora, que a luz do dia me seja negra, se eu poderia imaginar o que ali vinha... A pobre criatura aparece-me à frente regada com uma argamassa cinzenta onde sobressaíam uns pontos amarelos. Acompanhava com uma espécie de papas de carolo mais duras e insonsas. Senti uma redução imediata de aguadice por parte das papilas batukativas. E cedo, à primeira garfada, digamos, percebi que declinar a moussaka e a espetada de vieiras com taglatielle salteada terá sido uns dos piores auto-erros deste ano. Com comida, percebi também nessa primeira garfada, todo o cuidado é pouco. Não se deve nem pode arriscar pratos com um grau de ambiguidade acima dos 20%. São desgostos que se estão a pedir, por Deus.

Mas vá, que nesta vida nem tudo são fígados cozidos à portuguesa. Por fortuna do destino, há precisamente esse mesmo número de dias, inclusivamente no mesmo jantar, em ex aequo com a degustação daquela moléstia em forma de comida, houve uns oito minutinhos de conversa que me permitiram continuar em frente. De repente, até dei por mim a dar mais uma hipótese àquela pérfida molhanga que nunca mais me desamparava a loja. Acontece que desenterrámos um medo comum a todos naquela conversa. Ui, ui, pois é. Descobríamos que, possivelmente, não houve personagem que tenha passado pelas nossas vidas mais temível que Joe o Índio. Joe, o Índio, que engraçado. Não falávamos de Joe o Índio, há mais de... seguramente, onze anos.

Nessa altura comíamos alface. Agora aburguesam-nos com rúcola.
publicado pela batukada às 21:40
link | comentar

E-mail

batukada_ms@hotmail.com

Gira-discos 'sebem

Aprecie o silêncio

Arquivos

Maio 2012

Janeiro 2012

Setembro 2011

Agosto 2011

Junho 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Maio 2010

Abril 2010

Novembro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

blogs SAPO