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Convivemos cá em casa com uma roldana de estore partida, há seguramente mais de dois meses. Trata-se da roldana que acciona o estore da porta da cozinha, porta da cozinha esta que nos dá um dos acessos à varanda. Desde então, vemos os nossos movimentos serem, por um lado, diariamente constrangidos, dado termos um estore a atravancar-nos o caminho, e, por outro lado, diariamente ampliados, já que temos de ir à volta, pela sala, ou mesmo arranjar um mecanismo de substituição à roldana, para chegar à varanda. Eu, por minha parte e porém, sinto-me, desde então, no pleno direito de não tratar de arranjar a roldana, ainda que a sua inutilização me perturbe e ainda que, ultimamente, seja a última a sair de casa, a primeira a chegar a casa e a que provavelmente mais perto trabalha de sítios onde se vendem roldanas para estores em geral: isto é uma tarefa para o homem, baby, por favor. O homem cá de casa (o meu, portanto), por sua vez, atenua o peso da sua responsabilidade no efeito apaziguador que confia existir na premissa “tenho de ir comprar a roldana”, e lá vai adiando a tarefa de ir efectivamente comprar a roldana. Vivemos, há mais dos referidos dois meses, nesta espécie de moínha diária ecoterrorista por causa de uma… roldana. Rol-da-na. Vivemos sobretudo na esperança de que o tempo não exista. Bom, não é bem isso. Vivemos na esperança, esta sim, de que o tempo perceba que nós vamos mudar, que nos absolva destes dois meses de inércia e se nos autodevolva, assim que vier a nova roldana. Só isto. Amén.