A minha aversão ao Carnaval tem uma única justificação: os fatos-macacos da Lisnave.
Quem porventura cresceu na margem sul sabe bem do que falo. Bem sei que o repugnante costume do lançamento em catadupa de balões de água e de ovos tamanho XL se generaliza por todo este nosso pequeno país, mas o fenómeno Fato-Macaco da Lisnave é, temos pena – eu tenho muita muita pena –, nosso. Uma coisa já de si má é a pessoa apanhar com o balão e com o ovo, desprevenida, sem saber a proveniência dos mesmos. Fica revoltada e ameaça chamar o pai, o irmão mais velho ou a polícia e tal, mas é coisa rápida. Outra coisa é saber o que a espera, saber tratar-se de um processo relativamente moroso e não poder fugir do azar: o fenómeno Fato-Macaco da Lisnave.
Fecho os olhos e reproduzo mentalmente o que isto significa: significa rapaziada de mau fundo a descer ruas abaixo, vestida com o fato-macaco da Lisnave (lá está) – do pai, ou tio, ou avô,
whatever – de um azul-petróleo deslavadíssimo e cheio de nódoas. Vestem aquilo e munem-se, atenção, dos mais sórdidos adereços: duas almofadas que enfiavam, respectivamente, na parte de trás – no rabo – e na parte da frente – no abdómen, para dar volume à coisa; caraças que usavam com verrugas do tamanho de batatas, narizes redondos com narinas de diâmetros insuportáveis, dentes podres, cabelo oleoso etc.; e, muitas vezes, traziam paus nas mãos. Por dentro daquele imbróglio todo estariam os cinquenta balões e os noventa ovos que traziam sempre consigo.
O cenário era dantesco. Pior que dantesco, paulocoelhesco. Aquilo era o terror total. Aquilo quando uma pessoa os avistava, sentia-se mais angustiada do que em véspera de reunião de pais na escola secundária, já que acabava, contra vontade, de assinar a respectiva sentença de molha e de gemada. Imediatamente se começava a analisar o terreno à volta, com a esperança de se descobrir uma estrada, um beco com saída, um portão aberto ou qualquer coisa do género que nos tirasse, por via do
sprint, do caminho daqueles p... dos fato-macaqueiros da Lisnave. Às vezes, calhava-nos a sorte; mas na maioria delas... Seja ceguinha se não me estou agora a arrepiar.
“O suplício acabará quando crescermos e comprarmos um carro, vais ver. Nunca mais me apanham, estes paneleiros.”, pensávamos nós na altura.
*da música «Evil», dos Interpol.