«Contar deforma, contar los hechos deforma los hechos y los tergiversa y casi los niega, todo lo que se cuenta pasa a ser irreal y aproximativo aunque sea verídico, la verdad no depende de que las cosas fueran o sucedieran, sino de que permanezcan ocultas y se desconozcan y no se cuenten, en cuanto se relatan o se manifiestan o muestran, aunque sea en lo que más real parece, en la televisión o el periódico, en lo que se llama la realidad o la vida o la vida real incluso, pasan a formar parte de la analogía y el símbolo, y ya no son hechos, sino que se convierten en reconocimiento.»
Javier Marías, Corazón tan Blanco
Assim, tudo num só folêgo. Sem pontos, sem pontos e vírgula e sem reticências. Só a maiúscula inicial e o ponto final.
Ontem, o caracol e eu agarrámos e fomos ao King ver O Regresso.
Quando entrámos na sala 1 já estava tudo escuro. O que nos impediu de visualizar o que quer que fosse que estivesse ao nosso redor, à excepção da tela. Óbvio.
Sentaram-nos, pois, numa fila cheia - mas cheiínha de todo -; tão cheia que só restavam aqueles dois buraquinhos ali no meio... abandonados... coitadinhos... para o caracol e para a batukada.
Para lá chegarmos, tiveram de se levantar quatro amáveis emanadores de calor humano. Ao meu lado estariam outros tantos, ou mais um ou dois. Uma fila bem composta. A da frente também parecia ter bom aspecto; bem amanhada e ordenada. Assim, todos nós amiguinhos, a repartir inspirações e expirações audíveis, a repartir, inclusivamente, movimentações audíveis dos estômagos. O filme seria, a adivinhar pelos braços que tínhamos nos apoios das nossas cadeiras, um sucesso de bilheteiras (da sala 1 do King). Nem o movimento frenético das magnânimas interpretações aliado à banda sonora também ela bem boa me impediram de, no meu subconsciente desperto, antever uma sala cheíssima, cheia de gente, aos amontoados, quentinhas, ali, para ver o filme do Zviaguintsev. Tudo para justificar a comunhão perfeita de quem assistia, ontem, àquele exercício estético bastante - muito - bom.
Bonito cenário, repito. Idílico, mas curto. E quentinho. brrrrrrr! Contudo - espante-se - inverosímil. Apercebi-me, pois, de que fico veementemente comovida, naquele cinema, com o modo como o calor humano é disposto naquelas salas amorfas: todo concentrado no mesmo sítio, numa quase-osmose perfeita. A precavida menina da recepção* organizou ali uma comunidade, deixando espaço nos lados, por cima e por baixo. E para quê? Para o caso de visitas inesperadas, está claro.
Gostei de O Regresso .
*cortesia caracol perfumado
Sempre de mala e cuia, a batukada lá apontou as novidades mais gritantes do Festival no tal bloco de apontamentos. Chique. É de referir, antes de tudo, que o evento foi ligeiramente renhido, ainda que, mesmo antes de começar, tudo estivesse já decidido: os melhores seriam aqueles e os piores aqueloutros.
Ora bem, é só um minuto (desembrulhando o envelope dourado que guarda os apontamentos, soldado com lacre azulão-adidas-monza). Cá estão os prémios, e por ordem crescente:
Miss Flop Total Festival Sudoeste 2004 ou Prémio Mais Não, Por Favor: Groove Armada
Miss Fotogenia Festival Sudoeste 2004 ou Prémio Cada Tiro, Cada Melro; Sempre Todos Muito Arranjadinhos e Bonitinhos Em Todas As Fotos: Kraftwerk.
Miss Simpatia Festival Sudoeste 2004 ou Prémio Tom Barman: dEUS
Segunda Dama de Honor Festival Sudoeste 2004 ou Prémio Estes Malandrecos Tiveram a Pouca-Vergonha de Nos Apresentarem Cheirinhos Esporádicos do Sexx Laws, do Beck, No Meio do Smack My Bitch Up, dos Prodigy; Era Escusada Tanta Emoção, Assim, Sem Anestesia: Dezperados.
Primeira Dama de Honor Festival Sudoeste 2004 ou Prémio Oh, vida! Não fossem os Franz Ferdinand, Estes Estafermos do Bom Sonoro e Pulhões do Bom Gosto Teriam Sido a Miss Sudoeste 2004, Mas não... Que Pena, Que Pena; Que pena, Que pena: Da Weasel.
Miss Festival Sudoeste 2004 ou Prémio Praise the Lord ! Ninguém Se Aflija Que Eles Voltam, Com Toda a Certeza; Seja Ceguinha: Franz Ferdinand.
Espaço fica, claro está, para as menções honrosas:
Prémio Obrigada, Meus Amigos; Vocês São os Maiores: Pipi, Nádia e Bruno.
Prémio Ladrão Mais Ladrão Não Há: Farturas Paulo Alexandre.
Prémio Ó Engenheiro Doutor Director, Pague Lá Uma Que A Seguir Pago Eu: Engenheiro Doutor Director Quase-Advogado Pedro.
Prémio É Impressão Minha ou os Concertos Destes Rapazes São Sempre Todos Muito Iguais: Massive Attack.
Prémio Coincidência Mais Pirosa do Século: o cor-de-rosa avioletado.
E é assim a vida...
[Agora os Jogos, os Jogos, senhores.]
Prefácio
Que ninguém se faça ouvir a perguntar porquê, mas a verdade pode, de facto, ser esta: foram três dias como há muito não vivenciávamos. Queremos, por esta razão, agradecer a todos os que tornaram possível o estupendo fim-de-semana que já lá vai: ‘t’obrigados. Mesmo com a chuva miudinha, tudo correu bem. Até a lama que pisávamos nada mais era que algodão doce para os nossos pés. Mentira. Foi custoso. Mas bom, muito bom!
Uma palavra amiga para todos aqueles que decidiram ficaram em casa: benzós Nosso Senhor. Permitiram um flop de filas extremamente agradável. Bem-hajam.
E assim passaram os dias:
Temperatura: ‘sebem.
Vento: de sudoeste, com rajadas que traziam o cheiro do mexilhão da praia da C*.
Faixa etária predominante: simpática.
Cor predominante: o azulão dos ténis-bota suprapostados.
Preço da cerveja: ao desbarato, meus amigos.
*não digo.
[já continua, porque o que agora realmente interessa são os Jogos, senhores.]